"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

12 de fevereiro de 2008

A MULHER NEGRA E POBRE NO BRASIL

Os negros desde a colonização – uma radiografia
A partir do século XV, milhões de africanos adentraram território brasileiro (Tabela 1). Vieram com a condição de ser escravos dos brancos colonizadores. Por mais de 300 anos permaneceram sob essa condição e somente no dia 13 de maio de 1888 foram li-bertados pela Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel. Os negros escravos, quase em sua totalidade, não sabiam ler e escrever. Com toda a exploração a que foram submetidos, estudar era algo utópico.
Depois de libertos, depararam-se com uma sociedade que os discriminava desde sua cor à sua cultura e educação. Dados do Censo de 2000 mostram que a população brasileira compõe-se de 53,4% de brancos, 39% de pardos, 6,1% de pretos, 0,5% de amarelos (de origem oriental) e 0,4% de indígenas (Tabela 2), conforme a autodeclaração dos informantes. . As mulheres pretas e pardas representam 23% da população.
Um relatório divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostrou que as desigualdades entre brancos e negros existem desde a infância. Entre 1992 e 2005, houve uma redução considerável no trabalho infantil. Entre os meninos, decresceu 63%. Para as meninas brancas, 67,3%; para as negras, 66,4%. Entre 10 e 13 anos, faixa etária em que a legislação brasileira proíbe o trabalho, 8,8% dos meninos negros trabalha. Entre os brancos, 6%. Das meninas negras nessa idade, 3,4% trabalham; entre as brancas, 2,4%.Entre 14 e 15 anos, também são os meninos negros que mais trabalham: 22,2% de-les. Entre os brancos, são 17,7%. Para as meninas, também as negras trabalham mais. São 11,9% das crianças nessa idade. Mas, ao contrário dos meninos, de 2004 a 2005 houve um pequeno aumento no índice de meninas negras empregadas, passando de 10,2% para os 11,9% atuais.
Até a Constituição de 1988 a mulher era legalmente segunda categoria em relação ao homem. E a mulher negra ficava mais abaixo do que as brancas. Era pobre, negra e não sabia ler nem escrever. No Brasil, sua história é marcada pela exploração sexual, violência e não-permissão de exercer sua plena liberdade. Os anos passaram, mas a sua submissão existe e relega seu papel a empregos desvalorizados, altos índices de prostituição e condições precárias de saúde e educação.
No entanto, a luta para transformar tal realidade toma força a partir da década de 70 com a participação das mulheres negras no movimento feminista e aparição na vida política, que antes ficava nas mãos de mulheres brancas, escolarizadas e de classe média alta. A partir de 80, cada vez mais organizadas, as mulheres conquistaram direitos signi-ficantes para sua categoria. Passaram a freqüentar discussões na Assembléia Nacional Constituinte e realizaram uma articulação que ficou conhecida como Lobby do Batom, liderada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e conseguiram elimi-nar a supremacia dos homens nas questões familiares; o direito da mulher casada decla-rar separadamente seu imposto de renda; os mesmos direitos para os filhos nascidos fora do casamento e matrimônio; os mesmos direitos para os casados e para os parceiros em uniões consensuais; licença-maternidade remunerada de 120 dias e licença-paternidade remunerada de 5 dias; a classificação da violência sexual como crime contra os direitos humanos e não como crime moral; direitos trabalhistas e previdenciários estendidos aos trabalhadores domésticos.
Em média, as brasileiras estudam mais do que os homens. Porém, as mulheres ne-gras estão um pouco distantes estatisticamente das brancas e pardas. O IBGE (Tabela 3) revela que 9,99% das mulheres brancas de 15 anos ou mais não sabem ler ou escrever, enquanto entre as negras esse valor sobre para 28,19%.
Houve um expressivo aumento da média de anos de estudo entre 1992 e 2002 entre as mulheres pretas e pardas (de 3,7 para 6,5 e de 4,0 para 6,7, respectivamente). Mas é importante observar que entre as mulheres brancas esses índices são mais altos (média de 5,49, em 1992 e foram a 8,1, em 2002).
No mercado de trabalho que as diferenças de gêneros e raça tornam mais evidentes. Estruturalmente, os negros ocupam uma posição desprestigiada, pois se situam nos gru-pos menos favorecidos e com menor acesso à educação formal. As mulheres pretas, pardas e indígenas predominam no trabalho doméstico com 35,53%, enquanto a mulher branca representa 15,69% (dados do IBGE/PNAD, 2002). Em um outro estudo feito pela Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher) demonstrou que o salário da brasileira é, em média, 30% inferior ao do homem, chegando a 61% essa diferença, se a mulher for negra.
As mulheres negras também ficam em desvantagem quando o assunto é saúde. Vá-rios estudos detectaram diferenças entre as negras e brancas. A percentagem de mulhe-res negras que nunca fez exame ginecológico chega a apresentar mais de 10% de dife-rença em relação às brancas que também não fizeram.Outro dado agravante foi revelado pelo estudo realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) em maternidades e postos de saúde da rede pública do município do Rio de Janeiro. O estudo revelou que as mulheres negras que faziam pré-natal tiveram menor acesso à anestesia do que as brancas que recorreram ao mesmo serviço.
A violência contra as mulheres, principalmente negras, é outro fator alarmante e im-preciso em relação a dados estatísticos, já que muitas das que sofrem desse mal não de-nunciam seus agressores.Alguns registros demonstram que a maioria das mulheres que denunciam são ne-gras. O Centro de Atendimento à Mulher Vítima de Violência (SOS Mulher), do Rio de Janeiro, apresenta dados (de março a maio de 1999) que revelam ser, das mulheres a-tendidas, 65,8% negras e 34,2% brancas.
A mulher negra e pobre ocupa uma fatia amplamente discriminada da sociedade. Os dados existentes são capazes de comprovar o que pode ser visto nas ruas, nas escolas, hospitais, empresas. No entanto, existem caminhos que apontam para soluções positi-vas. Um exemplo vivo de que determinação e coragem podem reverter certos dados é o da paulistana segunda colocada no Prêmio Mulher Empreendedora do Sebrae, Maria Cristina Paixão, de 33 anos. Nascida numa favela de São Paulo, sofreu desde a infância a discriminação por ser moradora de favela e pelo fato de ser negra. Perdeu empregos por isso, mas continuou na luta, trabalhou e enquanto estudava Direito, resolveu abrir sua própria empresa. Saiu da favela e diz com felicidade “hoje eu tenho 150 clientes e oito funcionários. O escri-tório fatura R$ 20 mil por mês, bem mais do que os R$ 1 mil que eu ganhava traba-lhando para os outros. Tenho um carro já quitado e casa própria financiada”.

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