Voltam os olhos seus ao mais longe do mar,
E seus próximos pés e suas mãos coladas
Têm langor de sorrir e tremor de chorar.
Umas, o coração cheio de confidência,
Num bosque em que a cantar os ribeiros se movem,
Vão soletrando o Amor da ingênua adolescência,
O ramo a descascar de algum arbusto jovem;
Outras, são como irmãs, andam lentas e flavas
Das rochas através, plenas de aparições,
Onde viu Santo Antônio arderem como lavas
Os rubros seios nus de suas tentações
Outras há, que ao fulgor da líquida resina,
No silêncio abissal de velho antro pagão,
Chamam para aliviar a febre que alucina Baco,
o deus que adormece o remorso e a ilusão!
E outras, cuja garganta ama os escapulários,
Sabem em sua roupa um chicote esconder,
E misturam na noite, em bosques solitários,
As lágrimas da dor e a espuma do prazer.
Ó monstros do martírio, ó sombras virginais!
Almas a desprezar a pobre realidade,
Com sexo e devoção, o infinito buscais,
Estrangulada a voz de lamento e saudade
Que na cripta infernal tanto buscou minha alma,
Pobres irmãs a um tempo eu vos amo e respeito
Por vossa sede em vão e por vossa dor calma,
E estas urnas de amor que vos enchem o peito.
Poesia de Charles Baudelaire (1821-1867)
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