"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

19 de outubro de 2010

O TEXTO DA MULHER (GABRIELA MELLO BARBOSA)


O texto da mulher tem perfume que às vezes se sente só pelo título. Tem todo o jeito de quem anda por andar, sinceramente sem querer chegar a lugar nenhum. O texto da mulher dá pra ver que demorou muito tempo pra ficar pronto, e ainda não está. Dá pra ver que uma mulher escreve pra outra — pra outra completar. O texto da mulher tem um silêncio gostoso de se ouvir e pronto para ser quebrado. Tem natureza própria: vento que sopra a cara e provoca os cabelos; lua que, nua, se banha no mar — festa nos navios negreiros...! O texto da mulher dá orgulho: a gente fica lendo, boba, descobrindo um monte de coisas que já sabia e que só precisava lembrar. O texto da mulher fecha os olhos quando faz carinho, como se fosse ele o acarinhado... todo texto de mulher tem um filho no presente e um amante no passado. O texto da mulher faz arte: colore o que passa em branco na vida e pára o que passa rápido demais — põe o pé na frente e zás! Segue soberba, sabe que não adianta olhar — não para trás. O texto da mulher parece sempre que foi a gente que escreveu —- será uma concatenação de saudades e esperanças comuns, ou alguém me esmiuçou sem eu deixar? O texto da mulher treme, grita, chora e comemora em uma só língua; e faz a gente pensar que somos, todas, fragmentos de uma mesma criatura com dois lindos seios e um santo ventre, que caiu, quebrou e nos espalhou um dia. O texto da mulher vale a pena a qualquer hora: de manhã, à tarde, de noite... Esteja a solidão aqui, ou batendo na porta, do lado de fora.
(Texto de Gabriela Mello Barbosa)

Nenhum comentário: