"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

18 de fevereiro de 2009

NATÁLIA SOUSA GONÇALVES

Natália Sousa Gonçalves tem 23 anos, mas uma história de vida incrível para contar. Garra e determinação são palavras que fazem parte do dia-a-dia dessa recém-formada em Medicina pela UnB – Universidade de Brasília. Por que? Porque ela encarou os dois primeiros anos da faculdade deitada em uma maca. Natália tem uma paralisia chamada Mielite Transversa e por isso, não tem os movimentos das pernas. Como ela havia ficado muito tempo sentada, estudando e se preparando para o vestibular, contraiu escaras (grandes feridas nas nádegas) e a partir daí não podia mais usar a cadeira de rodas até que os machucados sarassem. Ao passar no vestibular, teve que decidir se trancava a matrícula ou encarava a sala de aula na maca. E escolheu a segunda opção. Confira essa história de vida.

Mulheres de Sucesso: Conte-nos um pouquinho da sua vida, da sua história.
Natália Sousa Gonçalves: Sou cearense, nasci em novembro de 1984 e, desde pequena, gosto de desafios. Tive uma lesão medular aos cinco anos de idade e hoje sou cadeirante. Por ser filha de militar, andei um pouco pelo Brasil e vim parar em Brasília. Hoje sou médica, formada pela Universidade Federal de Brasília (UnB) e estou fazendo residência, uma especialização.

MS: Por favor, conte um pouco da infância, sonhos, aspirações.
Natália: Na infância sempre fui danada, falava bastante, brincava de tudo. Aprendi a ler e escrever cedo, aproveitando os estudos da minha irmã mais velha. Aos cinco anos tive a paralisia. Foi um tempo de hospitalização, exames, reabilitação, bastante fisioterapia, mas depois dessa mudança continuei a viver como as outras crianças da minha idade: ia à escola, brincava na rua ou em casa, passeava. Fui criada com minhas outras irmãs sem muitas diferenças.

MS: Qual foi a primeira carreira que sonhou em seguir? Por que?
Natália: Desde pequena sempre disse que seria médica. Depois que tive a lesão, o contato com os hospitais aumentou ainda mais essa vontade. Eu era a médica das minhas bonecas e, nas brincadeiras, sempre fazia com elas os mesmos tratamentos que recebia. Levava os papéis do hospital para casa e me divertia nessa função. O porquê eu não sei dizer, acho que nasci para isso, foi uma vontade sempre presente.

MS: Foi a que escolheu para a vida? Se sim, como foi essa escolha? Se não, qual foi a carreira escolhida?
Natália: Foi a que a escolhi sim, e a que me satisfaz. Entrei na faculdade aos 17 anos, perdida e insegura como qualquer jovem dessa idade, mas com uma vontade enorme de realizar esse sonho.

MS: Foi difícil a escolha?
Natália: Não considero uma escolha fácil, não. Escolher uma profissão ainda jovem é uma responsabilidade enorme. Mas como sempre tive essa vontade, não surgiram muitas dúvidas.

MS: Você pode nos contar sobre sua deficiência?
Natália: Tive uma paralisia chamada Mielite Transversa, aos cinco anos. É uma doença rara, ocorrem de um a oito casos novos em um milhão de pessoas por ano. Tem inúmeras causas, como lúpus, esclerose múltipla, pós-vacinal. Trata-se de um “ataque” do próprio sistema imunológico à medula. Meu caso foi provavelmente devido a um vírus, que não foi identificado.

MS: Você lembra de quando andava sem a cadeira de rodas?
Natália: Não me lembro de muita coisa. Tenho vagas lembranças da infância que não estão associadas ao andar.

MS: Como foram os tratamentos que fez? Como ficou sua vida?
Natália: Quando tive a paralisia, estava no interior do Pará. Fiquei em Belém quase um mês para investigação diagnóstica. Então voltei para Fortaleza e lá fiz grande parte do meu tratamento. Fisioterapia diária, acompanhamento com neurologista, nefrologista, ortopedista e psicóloga. Fiz algumas cirurgias durante a fase de crescimento. A vida ficou bem corrida, de manhã era o tempo para a fisioterapia e a tarde ia para a escola. Depois que mudei pra Brasília completei a reabilitação no Hospital Sarah. Hoje em dia faço apenas revisões anuais.

MS: Como é sua vida hoje? O que você faz? Trabalha? Estuda? Qual é sua rotina?
Natália: Me formei no início desse ano e entrei para a residência, que é uma espécie de pós-graduação na Medicina. Tenho uma supervisão médica para fazer minha especialização. Durante a semana, trabalho e tenho aulas, além dos plantões.

MS: Me conta como foi a sua fase de vestibular e entrada na faculdade.
Natália: No último ano antes do vestibular, fiquei bastante tempo sentada e por isso tive uma úlcera de pressão (escara). É uma ferida que surge pelo contanto contínuo do osso com a pele. No dia em que saiu o resultado, pela manhã, tive de ir ao hospital, pois essa ferida havia piorado, justamente por eu permanecer sentada. Fui terminantemente proibida de continuar minhas atividades, pois ficava quase o dia todo na cadeira. À tarde, recebi a notícia que havia passado. Aí tive duas opções: trancar o curso e esperar a ferida cicatrizar ou assistir às aulas deitada. Optei por assistir às aulas deitada. Sempre quis fazer Medicina e, quando finalmente se tornou um fato real, não quis esperar mais para começar.

MS: E os passeios, como ficam? Você vai à baladas?
Natália: Sempre dei um jeitinho, arrumava um sofá ou um local em que eu pudesse ficar deitada e saía com os amigos da faculdade. Início do curso é sempre agitado e cheio de festas, ficar em casa é que não dava. Depois de dois anos assim, a escara fechou totalmente. Readaptei-me com cuidados para não ter uma nova ferida. Hoje em dia continuo saindo para baladas, sim, quando sobra um tempinho.

MS: Formada médica, qual área da medicina você quer seguir?
Natália: Estou fazendo Clínica Médica, que é uma área ampla, pré-requisito para muitas outras. São dois anos para depois fazer uma nova especialização. Para o próximo ano ainda não tenho certeza do que vou fazer, mas sempre têm umas áreas que a gente gosta mais.

MS: Como você faz para atender os pacientes? O que eles te falam? Como te recebem?
Natália: Atendo os pacientes normalmente. A maioria não fala nada, só observa. Alguns perguntam o que aconteceu comigo, fazem um comentário, elogiam a determinação e a vontade. No geral, me recebem bem. Poucos ficam um pouco receosos, mas, no decorrer do atendimento, eles baixam as defesas e tudo fica bem.

MS: Como é sua rotina? Como você “se vira” para trabalhar, passear, estudar?
Natália: Ando de cadeira de rodas e com ela faço tudo, vou trabalhar no meu próprio carro, guardo e tiro a cadeira e assim, chego onde quero. Faço tudo que tenho vontade, não deixo de ir a um local por não ser adaptado. Se a gente não mostra a cara, nunca vão mudar o acesso aos locais e atender às nossas necessidades.

MS: Qual o principal motivador da sua vida hoje?
Natália: A vontade de viver e ser feliz.

MS: O que você diria para uma pessoa cadeirante que não se aceita?
Natália: Não coloque limites na sua vida. A vida é curta demais pra ficarmos reclamando de nossa condição física, sem vivê-la por completo. Saia de casa e vá atrás dos seus sonhos.

MS: E o que você diria para uma pessoa andante, que olha um cadeirante de forma diferente, seja com pena, seja com estranhismo?
Natália: Temos uma diferença que está exposta, a cadeira é visível. Mas todos têm um jeito de andar, de pensar, de falar, quem não é diferente? A graça da vida está na diversidade. A cadeira não é um limite para nada, é apenas um detalhe na nossa vida.

MS: Quais são seus projetos atuais?
Natália: Atualmente pretendo terminar a residência, decidir a próxima especialização e seguir em frente nessa carreira que estou começando.

MS: Quais são seus sonhos e projetos futuros? Coisas a realizar?
Natália: Sonho com meu sucesso profissional aliado a minha qualidade de vida. Ainda quero ter um cantinho meu, viajar, estudar, casar, ter filhos. Ainda estou nova, tantas coisas pra fazer nessa vida! Coisas que me dêem prazer, isso é o mais importante.
(Por Fabiana Ganci Fares, Editora do Mulheres de Sucesso)

Nenhum comentário: