"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

20 de agosto de 2011

ANNA PAES GONSALVES DE AZEVEDO

Anna Paes Gonsalves de Azevedo nasceu em uma bela chácara, no maior engenho da Várzea do Capibaribe – o Engenho da Casa Forte – por volta do ano 1617. Seus pais - Jerônimo Paes de Azevedo e Izabel Gonsalves Paes - eram portugueses nobres e ricos. Anna tinha cabelos escuros, olhos cor violeta e pele muito branca. Era uma moça bonita, educada, elegante em sua postura e gestos, e avançada para a época. Falava e escrevia, além de português, alemão e latim. Bem cedo, a jovem se casou com o Capitão Pedro Correia da Silva. Como dote matrimonial, recebeu do pai um dos mais ricos e importantes engenhos da várzea do Capibaribe - o Engenho da Casa Forte, que fora fundado por Diogo Gonsalves, seu avô.

O primeiro casamento de Anna com o capitão Correia da Silva durou muito pouco tempo. Ao defender o Forte São Jorge, ele feriu-se gravemente e faleceu em combate, deixando-a viúva aos dezoito anos de idade. Sem o marido, ela passou a administrar o engenho, e conseguiu mantê-lo, com a determinação que lhe era peculiar, entre os dez melhores de Pernambuco. Em se tratando de comércio exterior, cabotagem e preços de açúcar, ela sempre se atualizava nas praças e mercados, conseguindo competir com proprietários de engenhos, corretores e mercadores.

Em 1637, Anna adotou a religião calvinista e casou com Charles de Tourlon, capitão do exército holandês e comandante da guarda pessoal de Maurício de Nassau. Não se sabe ao certo o motivo, mas Nassau enviou Charles de Tourlon de volta à Holanda, e lá ele faleceu. Com o capitão flamengo, Anna teve apenas uma filha - Isabel de Tourlon – que, bem novinha, partiu para a Holanda com o pai, lá se educou e casou com um oficial da infantaria batava - Vigilio Gaspar de Kroyestein. Muitos anos mais tarde, ao partir para a Holanda, já casada com Witt, é que Anna pode reencontrar sua filha Isabel.

Viúva pela segunda vez, há indícios de que Maurício de Nassau tenha se enamorado de Anna e, por este motivo, ordenou o afastamento do capitão Charles de Tourlon. Sabe-se, entretanto, que, após enviuvar pela segunda vez, Anna se apaixonou por André Vidal de Negreiros. Com este último, ela teve um conturbado namoro, mas, devido a intrigas, logo vieram a se separar.

Em 1645, Anna se casou com Gilbert de Witt, Conselheiro de Justiça do Governo batavo, e adquiriu a nacionalidade holandesa com o matrimônio. Teve dois filhos com o terceiro esposo: Kornelius de Witt e Elizabeth de Witt, que nasceram em 1647 e 1650, respectivamente. É importante salientar que os três filhos de Anna foram batizados na religião calvinista.

Após a capitulação dos holandeses, por ocasião da Batalha de Casa Forte, o exército lusobrasileiro ateou fogo ao Engenho Casa Forte, um dos últimos redutos da resistência flamenga, por ocasião da Insurreição Pernambucana. No ato da rendição, contudo, Anna fez jus às regalias concedidas aos holandeses pelo General Francisco Barreto de Meneses: perdeu todos os seus imóveis, no final da invasão (1654), mas, pode viajar com o marido e os dois filhos para a Holanda.

E foi em Dondrecht, na Holanda, que Anna Paes Gonsalves de Azevedo morreu no dia 21 de dezembro de 1674. Através do Tratado de Transação contra o Reino de Portugal, seus herdeiros ganharam uma indenização, em 1693, em ressarcimento aos bens confiscados pelos lusobrasileiros.

Do engenho da Casa Forte, no presente, restou somente o antigo pátio, onde se localiza a atual Praça de Casa Forte. No lugar da antiga capela, foi construída a Matriz de Casa Forte. A Casa Grande do engenho passou a ser conhecida como Casa Forte, nome que foi estendido para toda a antiga propriedade, ao povoado que nele surgiu e, posteriormente, ao futuro bairro.

Em 1810, o Padre Roma (cujo nome, em verdade, era José Inácio de Abreu e Lima) adquiriu e reformou a antiga residência de Anna Paes, a Casa Grande do Engenho Casa Forte. Em 1907, as irmãs francesas da Sagrada Família adquiriram e reformaram aquela casa, situada hoje no número 52, nela instalaram o colégio só para moças Sagrada Família, que, poucos anos atrás se associou a uma outra escola recifense e, atualmente, se chama Colégio NAP - Sagrada Família.

A Igreja de Casa Forte estava em ruínas em 1865, tendo sido reconstruída e reformada somente em outubro de 1911. Na ocasião, consagrou-se como Igreja-Matriz de Casa Forte, sob a invocação do Sagrado Coração de Jesus.

Na entrada da atual Igreja do Sagrado Coração - antiga residência de Anna Paes - encontra-se uma placa, onde estão registradas algumas palavras sobre o encontro histórico que lá ocorreu:

Neste local, denominado outrora engenho de Anna Paes, a 17 de agosto de 1645, o exército pernambucano dirigido por VIEIRA, VIDAL, DIAS E CAMARÃO combateu uma coluna holandesa que havia aprisionado matronas pernambucanas e se fortalecido na casa de morada à direita da Igreja, resultando victoria para os libertadores com o aprisionamento completo dos inimigos. Memória do Inst. Arch. e Geogr. Pernambucano em 1918.

No Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, existem duas cartas escritas por Anna Paes: a primeira, dirigida ao conde Maurício de Nassau, na qual ela oferece açúcar do seu engenho; e, a segunda, em agosto de 1637, endereçada ao Conselho da Zelândia, onde solicita a libertação de seu marido, Charles de Tourlon.

Pela grande aliança com os holandeses e, em especial, por sua conversão ao calvinismo, atitudes que eram muito avançadas para a sociedade do século XVII, já que ela fora criada dentro das tradições portuguesas, Anna chegou a ser considerada como uma mulher amoral. É importante registrar, contudo, que ela se notabilizou pela liberdade de pensamento e coragem pessoal.

Enquanto as mulheres da época não sabiam ler e escrever, e passavam o tempo costurando, bordando e rezando, a senhora Anna Paes Gonçalves de Azevedo se dedicava à leitura e lidava com o comércio açucareiro. Sem sombra de dúvidas, pode-se afirmar que ela foi uma mulher apaixonada, inteligente e capaz.


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