"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

19 de novembro de 2007

MEDO DE MULHER (RICARDO KHELMER)


Homens que agridem mulheres... Homens que atacam prostitutas, saem na rua atirando em travestis... O que leva um homem a cometer coisas tão deploráveis? Diversos fatores podem estar envolvidos. Mas, dentre todos, há um fator mais profundo que todos, mais antigo... É o medo da mulher.
Instintivamente todo homem teme a mulher. É claro que a maioria dos homens, se perguntado, certamente negará, ou levando a coisa para o lado da piada jocosa ou se irritando com o que ele pensa ser um questionamento de sua masculinidade, oh, a sagrada masculinidade. Calma, meu amigo macho. Esse medo não tem necessariamente nada a ver com homossexualidade. Trata-se do velho temor do feminino, um sentimento arquetípico, que sempre fez parte de nossa psique, tão natural quanto o desejo sexual que sentimos pela mulher.
Esse medo existe, sim, e se não o reconhecemos, o danado nos acompanha vida afora, se refletindo em nossa relação com as mulheres. Pior que isso: o medo do feminino faz surgir religiões e sociedades machistas, que reprimem violentamente as mulheres, negando-lhes direitos básicos, tornando-as propriedade dos homens e até mesmo queimando-as em fogueiras. Mas... por que esse temor?
A mulher é um imenso mistério, que o homem jamais alcançará. É o mistério sagrado da própria vida. É através do corpo feminino que a vida se concretiza no plano físico. A mulher é a Natureza humanamente representada em suas curvas, saliências e reentrâncias: ela é o rio sinuoso que hipnotiza o olhar, montes que graciosamente se elevam da superfície, cavernas escuras que guardam segredos... É feita de ciclos a mulher, renovando-se a cada lua para em seguida oferecer-se novamente fértil e receptiva. Como não temer algo que tem o poder de gerar e nutrir a vida? E, caramba, como não temer um bicho que sangra durante dias e não morre?
É bem antigo o medo da mulher. Milhões de anos atrás percebemos que viemos todos de dentro dela – e até hoje isso nos maravilha e assusta. Percebemos também que ela se comporta como a Natureza em suas estações, alternando ciclos, e isso nos fez entender que o masculino é Sol enquanto o feminino é Lua. Se aquele é o mesmo todos os dias, esta não cansa nunca de se experimentar em sua natureza mutante. Se elas são naturalmente iniciadas pela vida, eles não, eles precisam inventar iniciações.
Ao menstruar, a mulher está a repetir, mesmo ser consciência disso, seu íntimo ritual sagrado de fertilidade. Isso tem o poder de conectá-la com a sabedoria instintiva de seu corpo e com os ciclos naturais do planeta. O sangue é o fluxo da vida, que vem da caverna escura, lá onde se guarda o feminino misterioso e profundo. E são poucos, bem poucos, os homens que têm coragem de ir lá. Fisicamente eles vão, sim, mas apenas tocam o feminino, nunca dançam com seu mistério. Homens fazem guerra porque a guerra vem do Sol. Mas poucos, bem poucos, são homens o suficiente para fazer amor com a Lua.
E no entanto... a Lua sempre esteve dentro deles!, desde o momento em que os princípios masculino e feminino se uniram para gerá-los. São homens simplesmente porque neles é a porção masculina a dominante, e é isso que os faz mais agressividade e razão e menos suavidade e sentimento – mas se não houvesse também em sua alma a porção feminina, não seriam pessoas mas uma inconcebível aberração psicológica. Ao negar o feminino em si, esses pobres homens negam também, sem perceber, sua própria totalidade, e assim buscarão inutilmente mil coisas pela vida, sem que nada os possa completar, e morrerão frustrados, sem sequer entender o que lhes faltou. E o que lhes faltou foi sua própria alma inteira.
Homens agridem mulheres porque elas são o próprio princípio feminino encarnado diante de seus olhos fascinados e temerosos. Sua presença os faz lembrar, inconscientemente, do que eles mais temem admitir. Sim, temer o feminino é normal, é humano. Mas negá-lo não. O homem que nega o feminino, meu amigo macho, declara guerra contra si próprio. Bem melhor, mas muito melhor, é fazer amor com o feminino.

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