"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

16 de dezembro de 2007

A ÁFRICA DE PÉ, COM ROSTO DE MULHER

Concluiu-se, no dia 23 de abril, o V Congresso Internacional A África, de pé, com rosto de mulher. Participaram do intenso programa 300 pessoas, entre associações organizadoras e relatoras, que estiveram empenhadas durante três dias. A proposta final, que nasceu da mesa-redonda conclusiva, pretende estabilizar e dar início a uma rede de união, de intercâmbio e promoção das relações entre mulheres africanas e européias, em reciprocidade e igual dignidade. As mulheres africanas destacaram os próprios valores: a festa, a comunidade, a igualdade, a justiça e a solidariedade. Pelas FMA participaram: as neomissionárias da África e algumas estudantes vindas do Gabão e de Moçambique, que atualmente estão em Roma. O congresso deu voz a tantas mulheres africanas que, com força e coragem, lutam nos seus países pelo reconhecimento e a tutela dos seus direitos.
Com a palavra, as mulheres africanas
No início dos trabalhos, Eugenio Meandri, de Chiama Africa (coordenação de 35 associações e ONGs de solidariedade internacional) declarou:
«Falarão somente mulheres africanas, com testemunhos, narrativas, tendo a coragem da maravilha. A África é uma sociedade civil que faz milagres sociais, e as mulheres são a sua alma. É um continente em movimento».
No congresso veio à tona que não pode existir um relacionamento entre Ocidente e África sem um reconhecimento e uma relação recíproca profunda; as mulheres africanas têm um papel significativo, sabem organizar-se, se distinguem pelos valores ancestrais da acolhida, da paz, da escuta. Não pode haver caminho para a África sem que este passe pelas mulheres. É tempo de abrir as portas ao seu estilo de vida. O mundo perde, de um modo geral, se não houver integração das culturas e das mulheres.
À mesa-redonda conclusiva, dedicada a um encontro entre mulheres européias e africanas, participaram:
Terezinha da Silva (Moçambique), Odile Sankara (Burkina Faso), Matilde Muhindo Mwamini (RDC), Jane Muguku (Quênia), Fatima Mahfoud (povo Saharaui ), Hélène Inda (Camarões), Lisa Clark (Itália), Raffaella Chiodo (Itália). De todas as colocações, ricas de questionamentos, emergiram algumas propostas concretas como a de estabilizar e iniciar uma rede permanente de união, de intercâmbio e promoção das relações entre mulheres africanas e européias, em reciprocidade e igual dignidade.É preciso insistir sobre a relação, a escuta, a reciprocidade, e ir à raiz dos problemas estruturais, que as mulheres africanas conhecem muito bem e não desejam passar por eles.
Odile Sankara, de Burkina Faso, concluindo deu um exemplo de como viver estes encontros e valores em nível tradicional: «Nas nossas aldeias existe um assim chamado “Jogo do Claro da lua”: ali nos encontramos, partilhamos, fazemos festa, acontecem danças populares, dançamos, cantamos, alguém conta histórias e fábulas, de noite, ao redor do fogo. Isto ajuda a crescer num sistema de vida e de paz».“O fuso e o tecido”: falam as mulheres africanas
Destacamos alguns trechos das colocações feitas por estas mulheres africanas que, com audácia, se empenham para melhorar a vida dos seus países. Isto para conhecer mais diretamente aquilo que vem sendo realizado neste continente, onde também nós, como FMA, estamos presentes e somos continuamente interpeladas a dar uma resposta com o nosso carisma educativo.
Fatima Mahfoud do Povo Saharaui, na sua colocação durante o congresso declarou: «O povo Saharaui continua a sua via-sacra antes mesmo de uma verdadeira e própria possibilidade de autodeterminação: 14 anos de espera pelo Referendo».
Desde 1991 a ONU está presente em Marrocos para que se possa fazer o Referendo, mas a hostilidade da Monarquia não o permite.
«O Marrocos – continua Mahfoud – não reconhece nenhum direito de liberdade aos Saharaui e construiu um muro de 2500 km. Apesar deste calvário que dura décadas, 95% da população Saharaui é alfabetizada, graças à ajuda de outras nações. Diversos países, a partir dos anos 70, recebem as crianças Saharaui para estudar na sua própria terra, através de bolsas de estudo».
Nompi Vilakazi , do Sul da África, socióloga, apresentou a situação das mulheres na sua nação.
No Sul da África, as mulheres idosas sustentam a família; culturalmente provêm da luta pelo Apertheid, e o índice de alfabetização é muito baixo. As mulheres de meia idade são donas-de-casa ou profissionais, geralmente desempregadas, em conflito com os filhos que não seguem as tradições locais.
Têm níveis de instrução variados e entre os aspectos mais relevantes emerge o forte senso de responsabilidade para com a comunidade local.
Nompi Vilakazi prosseguiu afirmando que «as principais ameaças para as mulheres do Sul da África são o estupro, a AIDS e o desemprego.
Uma mulher entre quatro é violentada e somente uma entre nove denuncia o crime. Mostrar que foi estuprada, para a mulher, é bastante difícil e, portanto, muitas renunciam».
Particularmente tocante foi o testemunho de Amina Maxamed Mursal , expositora do parlamento somaliano, responsável pela Comissão Família, Mulher e Igualdade de Oportunidade, que contou, entre lágrimas, a sua experiência:
«Dezesseis anos de guerra civil, mulheres estupradas e assassinadas, direitos violados. A única alternativa é a morte. A situação é desastrosa, a miséria é absoluta no país. A Somália sobrevive graças ao trabalho das mulheres, que o fazem especialmente por suas crianças. Os homens estão na guerra, e o país vai em frente por causa das mulheres».
Na seção “Dizer Mulher na África” , palestrou Matilde Muhindo Mwamini , da República Democrática do Congo, deputada do Parlamento Congolês e membro da Subcomissão para os Direitos Humanos.
Matilde se demitiu do cargo institucional para voltar a trabalhar em meio à gente, em Bukavu: «É necessária uma revolução cultural, e também possível, a partir da educação e da instrução das mulheres. Perdoamos, mas condenamos os crimes.
As mulheres são as verdadeiras tecedoras das relações humanas e sociais. A mulher na África – afirmou Matilde – suporta todo o peso dos países nas quais existem ferozes ditaduras. Cotidianamente acontecem crimes terríveis, mas apesar disto, a esperança e a coragem de ser mulher prevalecem.
A mulher deseja conhecer os seus direitos, quer participar da vida política num momento no qual os direitos humanos são violados, a mulher quer ser responsável do seu destino e do destino da sua comunidade. Muitas mulheres estão no Parlamento e têm, inclusive, cargos de governo. A mulher é pela vida – concluiu – não pela guerra.
Ser solidários com a mulher significa humanizar a nossa sociedade».
Terezinha da Silva , presidenta do Fórum das Mulheres Moçambicanas até 2002 e que, atualmente, trabalha para o Centro de Formação Jurídica do governo moçambicano como consulente do Diretor, declarou:
«O futuro na África é a mulher, por causa do empenho que as mulheres têm de modo participativo na sociedade civil.
Permitir às mulheres de poder organizar-se significa colocar as bases do desenvolvimento da África, através da defesa dos direitos das mulheres quanto à maternidade, à viuvez, sem casamentos precoces, quanto à instrução, à saúde. Onde os governos não chegam, são débeis, são insuficientes, a sociedade civil tem o dever de organizar-se e de propor respostas. Não bastam os tratados e os protocolos em nível governamental, se estes não encontram uma verdadeira base de apoio no crescimento da sociedade civil, onde a mulher tem um papel fundamental».
Elisa Kidanè, de Eritrea, declarou:
«Desejo dizer com força o que se sente pelo fato de ser mulher africana: alegria, responsabilidade, cansaço! Somos guardiãs da vida da humanidade. Queremos, ao menos uma vez, ser escutadas com igualdade, ter espaço para exprimir e fazer ouvir nossa voz, e nada de qualquer um falar por nós».
As mulheres africanas, portanto, sabem caminhar com a cabeça erguida, sorridentes, com paciência, vivem uma vida feita de fios de algodão e prontas a tecer, com os ombros jamais caídos, como em um dança infinita de esperança!
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