"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

21 de fevereiro de 2008

A MULHER LETRADA E O SEU PAPEL SOCIAL NO SÉCULO XIX.

... As mulheres que ousaram escrever e publicar suas obras em vários casos usavam pseudônimos, ou seja, precisavam se ocultar devido ao preconceito...

Análise da personagem Pombinha: única mulher letrada na obra

O Cortiço, de Aluísio Azevedo.

Introdução Segundo o senso comum as mulheres ingressaram no mercado de trabalho somente após quase vinte anos do fim da Segunda Guerra Mundial, na década de 1960, devido à necessidade de mão-de-obra nas fábricas em expansão no período de industrialização ou à necessidade de ajudar a compor a renda familiar. Antes desse período, acredita-se, todas as mulheres eram apenas donas-de-casa, mães e esposas.
O senso comum reforça “idéias” que não são verdadeiras ou são apenas meias-verdades.
De acordo com a pesquisa realizada, verificamos que as mulheres no Brasil sempre trabalharam, especialmente as mais pobres. A grande maioria realizava trabalhos que não exigiam estudo; eram lavadeiras, cozinheiras, empregadas, babás e até prostitutas. Essas mulheres eram analfabetas, não tinham acesso à escola devido à condição de pobreza em que viviam. Poucas eram alfabetizadas. Segundo o crítico literário Antonio Candido, no Brasil, em 1890, cerca de 84% da população era analfabeta. (Literatura e Sociedade: Estudos de Teoria e História Literária: 2002, 50).
Não só as mulheres pobres trabalhavam, muitas mulheres oriundas de famílias abastadas, e por isso com acesso ao estudo, trabalhavam, eram ativas politicamente, bem informadas, cultas, poliglotas, reivindicavam direitos iguais aos dos homens, colaboravam com artigos para jornais, e várias eram escritoras (prosa, poesia, cartas, diários, crônicas, contos, dramas, comédias, ensaios e crítica literária). O mundo das Letras sempre foi masculino. As mulheres que ousaram escrever e publicar suas obras em vários casos usavam pseudônimos, ou seja, precisavam se ocultar devido ao preconceito.
Autoras ignoradas
Segundo Mary del Priori, organizadora do livro A História da Mulheres no Brasil, “A conquista do território da escrita, da carreira das letras, foi longa e difícil para mulheres no Brasil. (PRIORI: 2002, 409).
Zélia Gattai, em Anarquistas Graças a Deus (1982), pensando no que diria sua mãe ao ler o livro: ‘Que menina atrevida! O que não vão dizer “. (PRIORI: 2002, 410).Essa conquista, essa luta (referindo-se a textos escritos por mulheres), tem mais de século e foi travada, desde Nísia Floresta, por algumas mulheres que não colocaram em primeiro lugar ‘o que os outros vão dizer’ e que tentaram se livrar da tirania do alfabeto, tendo primeiro de aprendê-lo para depois deslindar os mecanismos de dominação nele contidos. (PRIORI: 2002, 409).
É praticamente desconhecida, para a maioria das pessoas, o nome da autora e a obra considerada o primeiro romance escrito por uma mulher no Brasil.
O romance, por mais inocente que fosse, era ainda um gênero literário malvisto, pernicioso para moças, quando em 1859, os Jornais de São Luís anunciavam Úrsula, de autoria de uma maranhense, ao custo de dois mil réis pela Typografia do Progresso. Logo se soube que o livro, hoje considerado o primeiro romance de uma autora brasileira, era de Maria Firmina dos Reis. (PRIORI, 2002: 410)
Essas mulheres e suas obras são praticamente desconhecidas nos dias de hoje porque simplesmente foram ignoradas por estudiosos e historiadores. Felizmente professores e pesquisadores trabalham para resgatá-las. Um exemplo desse descaso pode ser conferido na obra História Concisa da Literatura Brasileira, do crítico literário Alfredo Bosi, um dos livros mais usados nas escolas de ensino médio, o autor cita o nome de quatro poetisas do século XIX: Francisca Júlia, Gilka Machado, Auta de Souza e Narcisa Amália. Apenas Narcisa Amália mereceu biografia e destaque.Romance:
Gênero maldito
Se escrever romances era mal visto, ler esse gênero também não era considerado adequado para mulheres sérias, casadas ou as chamadas “meninas de família”. A personagem Ema Bovary, do romance realista Madame Bovary, de Gustave Flaubert, pode ser citada como exemplo de mulher que destrói a própria vida e a da família ao tentar viver da mesma maneira que as personagens dos romances que lê. Os homens escreviam a respeito das mulheres e para elas. O papel que cabia às mulheres era o de leitoras.
A personagem Pombinha, do romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo, escrito em 1890, portanto uma obra do século XIX, é um exemplo disso. Pombinha é a única mulher alfabetizada moradora do Cortiço sabia ler, escrever, e fazer contas. Por isso, era solicitada para escrever cartas para os vizinhos (também moradores do Cortiço), ler jornais em voz alta e fazer as contas para as lavadeiras.
Única letrada do cortiço, ela desenvolveu a missão de escrever cartas que lhe eram ditadas pelos moradores. Além disso, fazia o rol das lavadeiras, calculava quanto deveriam receber, lia o jornal para os que quisessem ouvir. De tanto escrever cartas, tornou-se conhecedoras dos segredos mais velados dos que a procuravam para esse fim. Tal intimidade permitia-lhe fazer pequenas interferências no discurso dos que lhe ditavam as cartas. (HELLER: 2002, 25).
Driblando o preconceito
Usar pseudônimos para driblar o preconceito foi um recurso usado não somente por escritoras brasileiras, a inglesa Jane Austen, autora do famosíssimo romance Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 1811-1812) escrito durante o período romântico, assinou seus primeiros livros usando o pseudônimo “By a Lady“ (Por uma Dama).
Segundo Cecília Prada, Nísia Floresta, era na verdade o pseudônimo usado por Dionísia Gonçalves Pinto, uma das mais importantes escritoras do século XIX. Nascida no Rio Grande do Norte, em 1810, Nísia fundou em 1838 um educandário, foi uma das primeiras mulheres a publicar contos, poesias, novelas e ensaios, foi também a precursora de uma visão mais “moderna” dos problemas indígenas e a responsável pelo surgimento do feminismo no Brasil, e até mesmo na América Latina.
No Brasil, as mulheres sempre trabalharam de uma maneira ou de outra. A novidade é que recentemente, desde a década de 1960, elas passaram a ter mais acesso à educação e se profissionalizaram, conquistaram salários iguais aos dos homens - pelo menos nas áreas urbanas – e alcançaram os cargos de chefia, tais como: gerência e diretoria de grandes empresas, mas ainda hoje causa estranheza a muitas pessoas o fato de mulheres escreverem e publicarem suas obras.
Conclusões
As mulheres se destacaram em muitas áreas, mas continuam tendo pouco espaço na Literatura Brasileira. Ao verificarmos no Caderno Ilustrada, do Jornal Folha de S. Paulo, edição de 27 de Agosto de 2005, a lista com nomes dos livros “Mais Vendidos” da semana percebemos que poucos nomes femininos figuram nessa lista. Uma delas é Lya Luft, premiada escritora, autora do sucesso de vendas, Perdas & Ganhos, classificado como não-ficção.
Lygia Fagundes Telles, outra autora premiada, consagrada pela “crítica” e membro da Academia Brasileira de Letras desabafou em uma entrevista para a Revista Marie Claire:

"Ainda hoje, o quadro dos membros da Academia Brasileira de Letras [do qual Lygia faz parte desde 1987] tem apenas 4 mulheres e 36 homens. Não podemos esquecer que até pouco tempo as mulheres que sabiam escrever só registravam aqueles devaneios em seus diários e, ainda assim, às escondidas...A tal revolução é do século 20. Minha mãe era uma pianista de muito talento. E daí? Vieram os filhos, quatro. Ela não conseguiu assumir sua vocação. "

Ao avaliarmos a situação das escritoras, no Brasil, percebemos que mudaram as abordagens, mas o tema ainda é o mesmo.
Artigo de Fabiana Macedo Gonçalves (*)
izilgallu

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