Foi Ministra do Plano e Finanças entre 1999 e 2005 do Governo de Moçambique; a partir de 2003, com a demissão do então Primeiro-ministro Pascoal Mucumbi, acumulou aquela pasta com a de Primeira Ministra. Foi exonerada, junto com todo o Governo em Janeiro de 2005, na sequência das eleições gerais de Dezembro de 2004. Em Fevereiro de 2005 foi nomeada de novo Primeira-ministra pelo recém-empossado Presidente Armando Guebuza.
Ana Maria Loforte
As grandes mudanças económicas e sociais que ocorreram no país nas últimas décadas em função de novas políticas ligadas aos projectos de reajustamento estrutural, do impacto da guerra e consequente mobilidade populacional tiveram profundas repercussões na vida das populações conduzindo a alterações no seu modus vivendi. Todavia, não podemos interpretar este novo contexto como sinónimo de destruição das instituições sociais existentes. Na verdade, conquanto mutações tenham alterado o funcionamento das mesmas, novos processos de reconstrução, de reorganização e de reintegração são desencadeados com maior ou menor presteza, visando enfrentar os desafios de natureza hostil, num contexto de crise.
Assiste-se, igualmente, a factores de manutenção de certos valores ligados à tradição fazendo uso dos recursos acumulados no passado. Na verdade, perante um movimento amplo que pretendia incutir transformações profundas nas relações sociais, as práticas tradicionais não sofreram mutações de fundo nem se dissiparam, passaram simplesmente para a clandestinidade para contornarem o desencorajamento contido no discurso político (Andrade, Osório e Trindade, 2000).
O reavivar das expressões culturais num contexto em que a tradição se havia ajustado a novas realidades resulta num processo de agravamento da posição subalterna da mulher, pois certos aspectos desta são sujeitos a uma filtragem e decorrem das habilidades e capacidades de manipulação dos que a transmitem. A utilidade particular de uma tradição é possibilitar e oferecer a todos que a enunciam e a reproduzem no quotidiano, os meios de afirmar as suas diferenças e de assegurar a sua autoridade e poder (Lenclud 1987:118). É neste contexto que se pode entender que, em nome da tradição, se mantenham ainda, por exemplo, em bairros da periferia da cidade de Maputo, rígidos padrões de autoridade e dominação masculina na definição das estratégias de casamento, no controlo da sexualidade e capacidade reprodutiva feminina e nas práticas religiosas tradicionais.
Uma vez que em certas unidades domésticas prevalece a matriz tradicional, os homens mantêm formas de poder político cujo exercício se materializa pela imposição da sua vontade nas decisões relativas às estratégias e alianças matrimoniais. Por serem produtoras inseridas na divisão do trabalho e produtoras de novos produtores, as mulheres estão no centro das estratégias protagonizadas pelos membros masculinos mais velhos, que visam realizar “um bom casamento”, isto é, maximizar os benefícios económicos e simbólicos associados à instauração de uma nova relação.
A cerimónia de entrega da compensação matrimonial, o lobolo, é precedida, acompanhada e continuada por troca de presentes e de outros produtos em diferentes momentos, que revelam que as alianças não são apenas uma questão matrimonial mas, também, de reprodução social(2), reforçando o poder e autoridade dos homens mais velhos. Associando os dois aliados, a compensação matrimonial movimenta uma dupla circulação em sentidos inversos e em esferas distintas, assegurando-se a reprodução do sistema matrimonial, expresso num movimento de troca de mulheres por bens, valores monetários e simbólicos onde os anciãos estão interessados em manter o lugar cimeiro. É neste contexto que Meillassoux (1970: 271) refere “que uma vez que os jovens são os produtores de bens, estariam em condições de tratar directamente com o guardião das mulheres que desejam desposar. Mas o ancião de um grupo não se prestará a uma tal transacção com um indivíduo que não tem o estatuto requerido; enfraqueceria a autoridade do seu homólogo e na volta também a sua. Os anciãos têm interesse solidário em respeitar a ordem estabelecida”.
A cerimónia de entrega da compensação matrimonial, o lobolo, é precedida, acompanhada e continuada por troca de presentes e de outros produtos em diferentes momentos, que revelam que as alianças não são apenas uma questão matrimonial mas, também, de reprodução social(2), reforçando o poder e autoridade dos homens mais velhos. Associando os dois aliados, a compensação matrimonial movimenta uma dupla circulação em sentidos inversos e em esferas distintas, assegurando-se a reprodução do sistema matrimonial, expresso num movimento de troca de mulheres por bens, valores monetários e simbólicos onde os anciãos estão interessados em manter o lugar cimeiro. É neste contexto que Meillassoux (1970: 271) refere “que uma vez que os jovens são os produtores de bens, estariam em condições de tratar directamente com o guardião das mulheres que desejam desposar. Mas o ancião de um grupo não se prestará a uma tal transacção com um indivíduo que não tem o estatuto requerido; enfraqueceria a autoridade do seu homólogo e na volta também a sua. Os anciãos têm interesse solidário em respeitar a ordem estabelecida”.
Em nome da tradição e dos seus valores, a sexualidade também legitima através das suas regras e discursos formas de dominação masculina e desigualdade de género afectando os indivíduos em esferas distintas, designadamente nos seus corpos, no uso destes e no controlo reprodutivo. O corpo da mulher é sujeito à contenção, mas também a uma ritualização constante, prescrita meticulosamente pela purificação a que os ritmos femininos obrigam periodicamente. As mulheres são poluentes pela exposição regular à menstruação e parto encontrando-se assim adscritas de forma permanente à poluição orgânica (Perez 1996: 46).
A ideologia patriarcal advoga que a sexualidade é o lugar da produção dos descendentes, os quais irão dar continuidade ao grupo, enquanto súbditos fiéis e fornecedores de mão-de-obra. Contudo, esta mesma ideologia que incute à jovem a obediência como valor e a maternidade como norma, legitima direitos e papéis diferentes de homens e mulheres na procriação. Assim, é ao homem que cabe a iniciativa de disseminar a “semente”(3) e a permanência da fecundidade. A mulher é o receptáculo passivo, a matriz onde se cresce a criança gerada, sobretudo pela contribuição masculina.
Para a mulher a função mais evidente é a de reprodutora do grupo. Quando contrai matrimónio, ela deve antes de tudo, reproduzir-se como mãe, o que determina o estrito controlo exercido pelo colectivo em relação à sua sexualidade a fim de assegurar o aumento de efectivos. As relações sexuais pré-maritais são desencorajadas, de uma forma geral, para as mulheres, quer pelos parentes, quer pelas igrejas que, através dos seus ensinamentos, as condenam. Entretanto, para os rapazes, elas são tacitamente aprovadas e de certa forma encorajadas. A ética sexual restringe e controla a livre expressão da sexualidade feminina. Em virtude da sua função reprodutiva, limita-a à esfera do casamento.
Algumas anomalias no desenvolvimento da criança são atribuídas a uma sexualidade desviada das regras da tradição, como sejam a prática de cópulas proibidas que desencadeiam efeitos negativos.
A ideologia patriarcal advoga que a sexualidade é o lugar da produção dos descendentes, os quais irão dar continuidade ao grupo, enquanto súbditos fiéis e fornecedores de mão-de-obra. Contudo, esta mesma ideologia que incute à jovem a obediência como valor e a maternidade como norma, legitima direitos e papéis diferentes de homens e mulheres na procriação. Assim, é ao homem que cabe a iniciativa de disseminar a “semente”(3) e a permanência da fecundidade. A mulher é o receptáculo passivo, a matriz onde se cresce a criança gerada, sobretudo pela contribuição masculina.
Para a mulher a função mais evidente é a de reprodutora do grupo. Quando contrai matrimónio, ela deve antes de tudo, reproduzir-se como mãe, o que determina o estrito controlo exercido pelo colectivo em relação à sua sexualidade a fim de assegurar o aumento de efectivos. As relações sexuais pré-maritais são desencorajadas, de uma forma geral, para as mulheres, quer pelos parentes, quer pelas igrejas que, através dos seus ensinamentos, as condenam. Entretanto, para os rapazes, elas são tacitamente aprovadas e de certa forma encorajadas. A ética sexual restringe e controla a livre expressão da sexualidade feminina. Em virtude da sua função reprodutiva, limita-a à esfera do casamento.
Algumas anomalias no desenvolvimento da criança são atribuídas a uma sexualidade desviada das regras da tradição, como sejam a prática de cópulas proibidas que desencadeiam efeitos negativos.
Um outro aspecto ligado à continuidade em relação à tradição e que procura assegurar o poder e autoridade dos homens mais velhos encontra-se nas práticas religiosas tradicionais(4). Os seniores das unidades domésticas, ritualmente ligados aos antepassados que lhes transmitiram funções, privilégios e poder, encontram nelas o fundamento e a justificação do seu encargo. A religião reproduz a ideologia do poder patriarcal expressando as diferenças de género. À excepção da tia paterna, o poder religioso é predominantemente dos homens. No culto dos ancestrais, o direito de oficiar é reservado aos indivíduos mais velhos, do sexo masculino. Apresentando-se como sacerdotes e mágicos que asseguram a protecção dos espíritos e a derrota das forças agressoras, eles organizam e presidem aos rituais para a manutenção da ordem e do bem-estar.
A posição subalterna das mulheres na religião é ainda visível entre as seitas religiosas zione, onde estão presentes elementos das tradições culturais locais como seja o respeito pelo culto dos antepassados, os modelos de adivinhação, os rituais de cura, o simbolismo das cores, etc. Com efeito, a dominância masculina, baseada nos dogmas e nos rituais religiosos, está presente nesta congregação religiosa, pois as mulheres marcadas pela ciclicidade biológica (menstruação e parto) são normalmente excluídas dos escalões mais altos da hierarquia e dos centros de decisão. Exceptuam-se algumas, em número reduzido, que atingiram os postos de bispos e de diáconos, mas sempre por intermédio dos esposos que ascenderam a estes mesmos lugares. Mas o assumir destas posições não altera o equilíbrio das relações de poder, pois elas não presidem aos rituais e, com a morte ou destituição dos esposos, perdem esse estatuto.
A posição subalterna das mulheres na religião é ainda visível entre as seitas religiosas zione, onde estão presentes elementos das tradições culturais locais como seja o respeito pelo culto dos antepassados, os modelos de adivinhação, os rituais de cura, o simbolismo das cores, etc. Com efeito, a dominância masculina, baseada nos dogmas e nos rituais religiosos, está presente nesta congregação religiosa, pois as mulheres marcadas pela ciclicidade biológica (menstruação e parto) são normalmente excluídas dos escalões mais altos da hierarquia e dos centros de decisão. Exceptuam-se algumas, em número reduzido, que atingiram os postos de bispos e de diáconos, mas sempre por intermédio dos esposos que ascenderam a estes mesmos lugares. Mas o assumir destas posições não altera o equilíbrio das relações de poder, pois elas não presidem aos rituais e, com a morte ou destituição dos esposos, perdem esse estatuto.
A nossa preocupação foi de identificar os elementos do passado ainda observáveis (constituindo de certa forma um património) e procurar explicar porque a tradição ainda se mantém e se conserva. Verificamos que a mesma cumpre funções sociais e faz sentido para os habitantes dos bairros.
Quando se evoca a tradição de um povo ou de um grupo social não nos referimos a qualquer instituição, ou prática, a sociedades que visam conservar e conformar-se com os valores do passado. Como refere Lenclud (1987: 112) e com o qual concordamos, associamos à noção de tradição a representação de um conteúdo contendo uma mensagem importante, culturalmente significativa e dotada por esta razão de uma força, de uma predisposição para a reprodução.
Com efeito, a tradição é geradora de continuidade, exprime a relação com o passado e seu constrangimento. Impõe uma escolha resultante de um código de significados, de valores que regem as condutas individuais e colectivas transmitidas de geração em geração.
Embora se possa estabelecer em certas práticas uma equação tradição = conservação ela manifesta uma capacidade singular para a variação, e possibilita uma margem de liberdade aos que dela se servem. Com efeito, como afirma Giddens (1994: 72) “todas as tradições são de facto escolhas de entre um leque indefinido de possíveis padrões de comportamento”. Contudo, falar de uma multiplicidade de escolhas não significa subentender que elas estão abertas a toda a gente, ou que as pessoas tomam todas as decisões acerca de opções possíveis. Como Bourdieu citado por Giddens (1994) sublinhou, “as variações de estilos de vida entre grupos são também traços estruturantes elementares de estratificação”.
A criação e selecção dos estilos de vida são, além do mais, influenciadas por pressões dos grupos e pela visibilidade dos que fornecem os modelos de conduta – os mais velhos – bem como pelas circunstancias sócio-económicas.
A tradição também se associa ao saber tornando equivalente a detenção deste: é importante conhecer a ordem fundamental, e ter poder de a manter adquirindo assim a capacidade de reduzir a desordem ou convertê-la num factor de ordem.
Nesta perspectiva, a tradição não revela somente uma problemática em termos de sentido, mas, igualmente, de função. Não se limita a enunciar factos do passado, mas factos que apontam para uma certa finalidade. Ela é um dispositivo com certa utilidade. O pensamento colectivo está em altura de efectuar escolhas mais ou menos conscientes. A sua utilidade é de fornecer ao presente uma caução para a sua presença; ao enunciá-la, uma cultura justifica de certa maneira o seu estado actual. A sua tradição é a sua referência, o seu testemunho, a sua herança como já dissemos. Mas, uma vez mais sublinhamos que a utilidade particular de uma tradição é de oferecer a todos os que a enunciam os meios de afirmar as suas diferenças e assegurar a sua autoridade. Cada grupo, cada entidade social manifesta a sua vontade de se manter nela, procura na sua tradição o que lhe convém, servindo de cobertura aos seus intentos. Parece assim lógico admitir que as sociedades constroem as suas tradições desenvolvendo os seus pontos de vista sobre o passado. Sublinha-se e engrandece-se a tradição não só pela sua autenticidade, mas porque se exalta a autoridade social dos que receberam como missão de velar sobre ela, isto é, de usá-la.
Quando se evoca a tradição de um povo ou de um grupo social não nos referimos a qualquer instituição, ou prática, a sociedades que visam conservar e conformar-se com os valores do passado. Como refere Lenclud (1987: 112) e com o qual concordamos, associamos à noção de tradição a representação de um conteúdo contendo uma mensagem importante, culturalmente significativa e dotada por esta razão de uma força, de uma predisposição para a reprodução.
Com efeito, a tradição é geradora de continuidade, exprime a relação com o passado e seu constrangimento. Impõe uma escolha resultante de um código de significados, de valores que regem as condutas individuais e colectivas transmitidas de geração em geração.
Embora se possa estabelecer em certas práticas uma equação tradição = conservação ela manifesta uma capacidade singular para a variação, e possibilita uma margem de liberdade aos que dela se servem. Com efeito, como afirma Giddens (1994: 72) “todas as tradições são de facto escolhas de entre um leque indefinido de possíveis padrões de comportamento”. Contudo, falar de uma multiplicidade de escolhas não significa subentender que elas estão abertas a toda a gente, ou que as pessoas tomam todas as decisões acerca de opções possíveis. Como Bourdieu citado por Giddens (1994) sublinhou, “as variações de estilos de vida entre grupos são também traços estruturantes elementares de estratificação”.
A criação e selecção dos estilos de vida são, além do mais, influenciadas por pressões dos grupos e pela visibilidade dos que fornecem os modelos de conduta – os mais velhos – bem como pelas circunstancias sócio-económicas.
A tradição também se associa ao saber tornando equivalente a detenção deste: é importante conhecer a ordem fundamental, e ter poder de a manter adquirindo assim a capacidade de reduzir a desordem ou convertê-la num factor de ordem.
Nesta perspectiva, a tradição não revela somente uma problemática em termos de sentido, mas, igualmente, de função. Não se limita a enunciar factos do passado, mas factos que apontam para uma certa finalidade. Ela é um dispositivo com certa utilidade. O pensamento colectivo está em altura de efectuar escolhas mais ou menos conscientes. A sua utilidade é de fornecer ao presente uma caução para a sua presença; ao enunciá-la, uma cultura justifica de certa maneira o seu estado actual. A sua tradição é a sua referência, o seu testemunho, a sua herança como já dissemos. Mas, uma vez mais sublinhamos que a utilidade particular de uma tradição é de oferecer a todos os que a enunciam os meios de afirmar as suas diferenças e assegurar a sua autoridade. Cada grupo, cada entidade social manifesta a sua vontade de se manter nela, procura na sua tradição o que lhe convém, servindo de cobertura aos seus intentos. Parece assim lógico admitir que as sociedades constroem as suas tradições desenvolvendo os seus pontos de vista sobre o passado. Sublinha-se e engrandece-se a tradição não só pela sua autenticidade, mas porque se exalta a autoridade social dos que receberam como missão de velar sobre ela, isto é, de usá-la.
Um poema de "José Craveirinha" nasceu a 28 de Maio de 1922 em Maputo, e faleceu em 6 de Fevereiro de 2003. Os seus restos mortais repousam na cripta da Praça dos Heróis, na capital de Moçambique.•
O Meu Rosto
Logo pela manhã
dizem-me carrancuda a expressão
da minha face.
Escarninho não respondo.
Para quê as palavras
ante a evidência das rugas?
A esferográfica escreve o que sinto
e explícita a face hosti
lreduz a mim mesmo
a tristeza do que nos sucede.
Depois...
é só passar à máquina.
(1971)
Grito Negro
Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
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