"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

8 de julho de 2008

A MULHER E A IGREJA (SÉRGIO NUNES DE JESUS)

A concepção e o princípio, bem como toda ideologia, consiste no fato de uma fundamentação e preceito que favoreçam uma dada parcela da sociedade.
No período histórico que correspondeu à Idade Média por exemplo, a sociedade sustentava a questão ideológica da mulher como "objeto de submissão" dentro de um poderio social.
Segundo Rose Marie Muraro, "as mulheres eram vistas como ‘bodes expiatórios’ de todas as falhas e males humanos. Mesmo os poetas que cantavam o amor, muitas vezes cercavam esse amor de sofrimento e morte, chegando à conclusão de que o amor e a mulher eram perigosos para o homem". (Muraro: 1993, 96)
As acepções do ser humano provém da cultura que o forma. Esta por sua vez, vem resultar um longo processo relacionado aos aspectos ideológicos que mantém seus princípios na visão da Natureza Humana. Assim, "a natureza teria feito a natureza humana como gênero universal e a teria diversificado por espécies naturais".
(Chauí: 1996, 288-296)

Destarte, os fatores ideológicos estão inseridos na Natureza Humana que está imposta à "figura feminina", refletindo sob referenciais que possam preservar uma postura única e universal. A exemplo, o livro sagrado dos cristãos, afirma o mito que explicita o "Pecado Original", a fim de justificar e, ao mesmo tempo conduzir as atitudes e, inclusive de "responsabilizar a mulher" como a "origem de todos os males sociais". (grifo nosso)
"A mulher notou que era tentador comer da árvore, pois era atraente aos olhos e desejável para alcançar inteligência. Colheu o fruto, comeu e deu também ao marido que estava junto, e ele comeu. - E o homem disse: A mulher que me deste como companheira, foi ela que me fez provar do fruto da árvore e eu comi". (Gênesis: 3, 6; 12)
Conquanto, na Idade Média, tais desígnios foram assim conservados, principalmente, por dogmas puramente religiosos, e, admitindo uma dicotomia no que concerne à Mulher, consagrada na figura feminina, oscilando entre a misoginia e a idealização. Sendo por conseguinte, designada a eterna encarnação da Eva tentadora e corruptora; obstáculo extremo no caminho da salvação. O qual Santo Agostinho assim a refere:


"A mulher é um animal que não é seguro nem estável é odienta para o tormento do marido, é cheia de maldade e é o princípio de todas as demandas e disputas, via e caminho de todas as iniqüidades". (Beauvioir: 1980, 126)
Logo, opondo-se à misoginia, tem-se a corrente da idealização e exaltação da Mulher, defendendo os valores conceptuais que vão desde o fato de "Eva ter sido feita dentro do paraíso, e Adão fora dele", até a caracterização peculiar da concepção. Ainda mais, foi uma mulher que concebeu Deus, bem como a aparição deste, após o Ministério da Ressurreição, às mulheres. Sendo também o culto à Virgem Maria um dos fatores culminantes que contribuíram com esta corrente por toda a Idade Média e ao longo da história.
O que somos? De onde viemos? Para onde vamos? Esses são alguns questionamentos que ao longo de sua existência o homem procura explicar. Em torno disso geram-se inúmeras ideologias, crenças, mitos, religiões e costumes; sendo assim difícil saber quem está falando a verdade.
Respaldado pela fé, o cristianismo prega a origem humana pela lenda de Adão e Eva, em que Deus fez um boneco de barro e, após o sopro de vida, surge Adão, sua imagem e semelhança. Eva, por sua vez, surge depois, a fim de fazer companhia a Adão e suprir suas necessidades, a qual é feita a partir de uma costela retirada de seu corpo.
Já a Antropologia, estudo científico do homem, dá uma outra versão, contrapondo-se aos princípios do sopro divino e da costela. Para a ciência, assim como os outros animais, o homem atual é fruto de uma evolução que ocorrera através dos tempos, evidenciando, no entanto, que o comportamento dos animais inferiores na escala zoológica é basicamente determinado por reflexos e instintos que obedecem a estruturas biológicas hereditárias. É isso que faz com que o comportamento de uma formiga seja semelhante ao de outra de sua espécie.
Sendo assim, ao se analisar quaisquer elementos pertinentes ao homem, faz-se necessário observar a influência exercida pelo fator sócio-cultural que se processa através dos tempos.


De acordo aos argumentos antropológicos é de fundamental importância fundamentar o comportamento de domínio exercido pelo homem em detrimento a mulher; o domínio do rico em relação ao pobre e outros, deparando-se com o comportamento do homem primitivo, aquele que viveu da coleta de frutos e da caça a pequenos animais. A exemplo dessa sociedade são os pigmeus (na África). Estudiosos e cientistas acreditam que toda a raça humana passou inicialmente por esse estágio; fase que ocupa quase (¾) três quarto da existência humana na terra.
Acredita-se que a hierarquia estabelecida entre os sexos tenha surgido posteriormente, quando o homem, devido a escassez de alimentos e após o domínio do fogo, começa a viver de forma sedentária, cultivando seus alimentos e saindo à caça de grandes animais, fatores estes que exigiam maior vigor físico.
Nos grupos matricêntricos, as formas de associação entre homens e mulheres não incluíam nem a transmissão do poder nem a da herança, por isso a liberdade em termos sexuais era maior. Por outro lado, quase não existia guerra, pois não havia pressão populacional pela conquista de novos territórios.
As caças sistemáticas a grandes animais e as disputas entre os grupos em busca de novos territórios farão surgir a supremacia masculina e o espírito de competitividade. Agora, para sobreviver, as sociedades têm que competir entre si em busca de um alimento que tornando-se cada vez mais escasso. As guerras começam a fazer parte da vida desses grupos e passam a ser mitificadas. Apesar de não ser ainda tão acentuada, as diferenças sociais começam a tomar força, não só em relação a homem e mulher, mas também entre os homens, pois os mais fortes seriam os melhores guerreiros. Nota-se, portanto, a estratificação social e sexual, mas ainda não é completa como nas sociedades que lhes seguem.
Foi a partir da descoberta de sua importância na reprodução eu o homem passou a ter domínio da sexualidade feminina. É ai que surge o casamento como conhecemos hoje, em que ‘a mulher é propriedade do homem’. As sociedades, então, tornam-se patriarcais, isto é, os portadores dos valores, e da sua transmissão, são os homens.
Agora, já não são os princípios feminino e masculino que governam juntos o mundo, mas, sim, ‘a lei do mais forte’. As mulheres têm a sua sexualidade rigidamente controlada pelos homens. O casamento obriga a mulher a sair virgem das mãos os pais para as mãos do marido. Qualquer ruptura dessa norma pode significar a morte. A mulher fica reduzida ao âmbito doméstico, perde qualquer capacidade de decisão no domínio público, e fica inteiramente reservada ao homem.
Por outro lado, o Cristianismo, baseando-se na Bíblia, deixa transparecer que a desigualdade entre os sexos é considerada como uma vontade divina. Eva, a mulher que veio fazer companhia a Adão, já surge submissa a ele. É um ser que saiu de sua costela, não passou pelo mesmo processo de criação, sendo, portanto, diferente. É ela, também, a responsável pela desgraça da humanidade, uma vez que comeu a "maçã do pecado". Da mesma forma, observa-se que "Deus", um ser ‘macho’, fez o mundo sozinho e enviou seu filho, outro ser ‘macho’, para salvar o mundo dos grandes pecados. E quando estava na terra, Jesus Cristo foi seguido por doze Apóstolos, ‘outros seres machos’.
Nas sociedades pastoris descritas na Bíblia observa-se, constantemente, a dominação masculina e a condição de objeto de posse exercida pela mulher. Porém, em sua difusão, o Cristianismo transmitia a mensagem da igualdade entre os homens no plano da salvação. No entanto, mesmo tendo pregado tal ideologia na própria estrutura física da Igreja a mulher permanece inferiorizada, pois ela não tem o direito ao episcopado. Alguns outros direitos que as mulheres tinham de exercer uma função mais elevada na Igreja foi retirada, após a reforma Gregoriana, a qual impôs o celibato aos padres. Segue-se a isso o Tribunal do Santo Ofício, órgão dentro da Igreja Católica responsável pela morte de milhares de mulheres consideradas bruxas.


A vida em sociedade é marcada por modificações que processam-se paulatinamente através dos tempos. Na Antigüidade Clássica, assim como no presente, existiam elementos discriminados socialmente em virtude de seu comportamento ou posição social, bem como o sexo. Conduzindo a linha de raciocínio para esse elemento, o sexo, pode-se observar as características que o nortearam na Antigüidade Clássica, mais precisamente na Grécia Antiga.
Nessa terra marcada de caracterizar a mulher grega como um todo, convém, portanto, levar em consideração os dois pólos de maior importância na Grécia Antiga, ou seja, seus dois centros mais contundentes que foram Esparta e Atenas.
A cidade de Esparta, marcada principalmente pelo seu potencial bélico, denota uma cultura voltada para o exercício do corpo, ao passo que Atenas, uma voltada essencialmente para o exercício intelectual.
De forma mais abrangente, em todas as famílias gregas. Depois da refeição matutina o homem saía de casa e só retornava ao anoitecer, aproveitando boa parte de seu tempo para conversar sobre política, arrumar íntimas amizades ou tagarelar sobre diversos outros assuntos. Já a mulher, por sua vez, ficava dentro de casa, cuidando dos afazes domésticos ou ordenando os escravos. As escassas vezes que poderiam sair eram para visitar outras mulheres ou ir as festividades culturais da cidade.
A mulher era responsável pela organização do lar. Ela tinha que tomar conta das provisões, buscar água nas fontes públicas e encher as lamparinas de azeite. Todo lar Grego, seja o mais rico ou o mais pobre, é caracterizado pela obrigação da mulher em tecer o pano para fazer túnica, mantas e lençóis. Aos quinze anos, as meninas eram obrigadas a casar-se com o homem escolhido pelo pai para ser seu marido, sendo obrigada a abandonar a sua cultura e absorver toda a cultura de seu companheiro caso ele pertença à outra região. Na sua casa o homem era dono absoluto e senhor incontestável. Podia repudiar a esposa, com a condição de lhe devolver o dote. Tinha também o direito de recusar os filhos que nasciam, expondo-os em via pública. Sendo que este direito foi principalmente aplicado às filhas.
Desde pequena, a mulher era condicionada a servir ao marido da melhor forma possível, forma essa que fora caracterizada pela total submissão. A educação feminina, por exemplo, de forma geral, era voltada basicamente para os afazeres domésticos, ministrada pelas mulheres mais idosas da casa: avó, mãe e criadas. A mulher grega era confinada no lar, em total reclusão. No entanto, observa-se, pois, que existiram algumas exceções também, porque, como fora afirmado inicialmente, o papel feminino na Grécia Antiga era determinado pela sua posição social.
Nos centros urbanos, quase não se viam mulheres transitando pelas ruas nos dias comuns, pois lugar de mulher grega era em casa. As mulheres ricas como não precisavam trabalhar ficavam em casa tecendo ou tendo outra ocupação qualquer, por outro lado, a mulher pobre, como era obrigada a trabalhar fora, não ficava confinada em casa, como é o caso de mulher de pescador que vai ao mercado vender peixe enquanto o marido pesca.
No campo, as camponesas eram obrigadas a trabalhar na lavoura. Já as esposas dos cidadãos e ricos proprietários ficavam em casa, onde elas recebiam os amigos ou trabalhavam.
Por ser a representação ideológica humana, os mitos carregam em si características peculiares aos seres humanos. Prova disso é a forma como se organiza a mitologia grega. Os deuses gregos possuem inúmeras características humanas. Além dos amores e emoções, eles apresentam as mesmas discriminações em relação à mulher. Assim como homens e mulheres ocupavam espaços muito distintos, na vida da polis; deusas e deuses ocupavam também lugares diferentes nas casas. Esta era relacionada, sobretudo, com a lareira que existia no centro das casas, e Hermes, com a soleira das portas, ligado, pois, ao lado exterior da casa.
A questão envolvendo as diferenças de características e de atribuições destinadas à mulher na sociedade em relação ao universo masculino sempre foi motivo de questionamento.
Em seu estudo sobre o assunto a antropóloga Margaret Mead reconhece que essas diferenças inatas quase nunca possuem relação com os fatores biológicos do sexo, observa que muitas vezes há uma mistura do natural e do cultural com as próprias características pessoais do indivíduo.
Nas culturas primitivas, as diferenças básicas em relação ao comportamento dos sexos, está ligada ao aspecto cultural, às superstições, às crenças, ao misticismo sem nenhuma fundamentação, do que resultam as diferentes estruturas sociais, assim, as tarefas distintas a cada sexo variam de acordo com a cultura.
A estudiosa aborda as características do feminino em diferentes épocas e culturas, partindo do imaginário grego e ibérico, passando por Roma e a cultura judaico-cristão, até chegar as características do feminino no discurso na cultura popular brasileira através da música
No imaginário grego, o mito masculino possuía características que demonstravam sua superioridade sobre a mulher, era tido como garanhão, conquistador, e nessa conjuntura, a mulher era um instrumento para consolidar a perpetuação do poder. Segundo a mitologia, a função do homem era fecundar a mulher, tornando-se inútil se não conseguisse. Mesmo que o feminino ocupasse uma posição de destaque, ainda assim, era em função dos homens, o poder masculino sempre saía vitorioso.
O papel da mulher na sociedade grega era restrito ao lar, ou seja, cuidar das crianças e da casa.
A sociedade ocidental recebeu da cultura grega seu imaginário e sua realidade, o sistema patriarcal em que a mulher é sempre vista como objeto de prazer para o homem.
No mundo latino, havia o "pater-família" uma instituição jurídica na qual o homem detinha a posse de todos os bens, sendo a mulher um deles, o que comprova a sujeição do feminino. A submissão da mulher era oficializada por meio do casamento tanto em Roma como em Atenas.
Na cultura judaico-cristão, é evidente a submissão da mulher e seu papel específico de proporcionar prazer ao homem. A mulher é considerada um ser sujo pela própria natureza, representa a encarnação do pecado e é responsável por todos os males do mundo. A inferioridade feminina é registrada em muitas passagens bíblicas.
No Evangelho, o feminino é representado por Maria e Madalena, sendo que Maria simboliza a pureza e a virgindade, enquanto Madalena, seguindo a tradição de Eva, representa o pecado e a prostituição.
A virgindade é o ideal cristão, exceção feita apenas para função procriadora. O Evangelho ainda evidencia o preconceito em relação ao adultério, embora o homem possa ser adúltero, a conotação de infidelidade é sempre para a mulher.
No texto bíblico, a mulher está sempre em subordinação ao homem e associada à idéia de mal e de pecado, e disso resultará a concepção de mulher na dos primeiros séculos da Idade Média.
Assim, a mulher atravessa os séculos com o estigma do mal, do pecado e da submissão, refletindo na realidade social com uma condição de inferioridade, evidenciada em várias manifestação da cultura.
Na cultura brasileira, a concepção do feminino pode ser visto através do discurso da música popular, como conseqüência de todos os fatores que fundamentaram o feminino no mundo ocidental.
Na música brasileira, em qualquer gênero, a mulher sempre foi um dos temas mais desenvolvido, seja como ser amado, criticado, desprezado ou desejado nos fornecendo, na sua espontaneidade, material para análise do feminino no imaginário popular.
As letras das músicas refletem uma ideologia patriarcal, mostram a mulher ideal e ainda situações que mostram seus defeitos e qualidades, evidenciando o discurso machista. A mulher é vista ainda com determinados atributos, a mulher-inspiração, a mulher-pecado, a mulher-traidora, a mulher-pureza.
Em vista do exposto, observa-se que ao longo dos séculos, a diferença de características e atribuições definidas na sociedade para a mulher ocidental, resulta não de fatores biológicos, mas sobretudo da concepção do feminino nas diferentes culturas e épocas. A figura da mulher está sempre associada à idéia de sujeição, submissão, pecado, mal, como objeto de prazer físico do homem e função procriadora, refletindo as marcas da submissão em relação ao homem.
Fonte:por Sérgio Nunes de Jesus

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