"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

12 de maio de 2011

MULHERES E TRABALHO NA HISTÓRIA DO BRASIL

A presença feminina foi sempre destacada no exercício do pequeno comércio em vilas e cidades do Brasil Colonial. Desde os primeiros tempos, em lugares como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, estabeleceu-se uma divisão de trabalho assentada em critérios sexuais, em que o comércio ambulante representava uma ocupação preponderantemente feminina. A quase exclusiva presença de mulheres num mercado onde se consumiam gêneros a varejo, produzidos muitas vezes na própria região colonial, resultou da convergência de duas referências culturais determinantes no Brasil. A primeira delas está relacionada à influência africana, uma vez que nessas sociedades tradicionais as mulheres desempenhavam tarefas de alimentação e distribuição de gêneros de primeira necessidade. O segundo tipo de influência deriva da transposição para o mundo colonial da divisão de papéis sexuais vigentes em Portugal, onde a legislação amparava de maneira incisiva a participação feminina. Às mulheres era reservado o comércio de “doces, bolos, frutos, melaço, hortaliças, queijos, leite, marisco, alho, polvilhos, hóstias, agulhas, alfinetes, roupas usadas. Dessa forma, conjugam-se dois padrões que irão atuar na definição do lugar das mulheres no Brasil.Pintores como o bávaro Rugendas e o francês Debret captaram em vários de seus desenhos e aquarelas nas viagens pelo Brasil da primeira metade do século 19 a presença das negras em torno de vendas, em atividades ambulantes ou sob tendas onde vendiam gêneros de consumo. Seus pequenos utensílios, a presença das crianças, formas de convívio, modalidades de produtos estariam evidenciadas nessa iconografia da vida urbana de algumas cidades brasileiras desse tempo.As vendas se multiplicariam indiscriminadamente pelo território. Estabelecimentos comerciais dotados de grande mobilidade faziam chegar às populações trabalhadoras das vilas e das áreas de mineração aquilo que importava ao seu consumo imediato: toda sorte de secos (tecidos, artigos de armarinho, instrumentos de trabalho) e molhados (bebidas e comestíveis em geral). As vendas eram quase sempre o lar de mulheres alforriadas ou escravas que nelas trabalhavam no trato com o público.O destaque da presença feminina no comércio concentrava-se nas mulheres que eram chamadas de “negras de tabuleiro”. Elas infernizaram autoridades de aquém e de além-mar. Todos os rios de tinta despejados na legislação persecutória e punitiva nãoforam capazes de diminuir seu ânimo em Minas Gerais e pelo Brasil afora. “Negras de tabuleiro” foi a designação que acompanhou pelo Brasil colonial aquelas mulheres dedicadas ao comércio ambulante. Se aqui e ali há registros de que incomodavam as autoridades, seja porque fugiam com facilidades às medidas fiscalizadoras, seja porque sua conduta moral desagradava, foi nas Minas do século 18 que sua atuação alcançou dimensões mais graves. (...) Este expressivo espaço da participação feminina representou enormes inconvenientes diante dos poderes ordenadores da capitania. Sua mobilidade e a rapidez com que se multiplicavam como opção de vida (uma vez que se exigiam para o negócio pouco capital e alguma coragem) ameaçavam comprometer consideravelmente os rendimentos da faina esperados pela fazenda real e pelos proprietários de minas.(...)A prostituição parece ter sido adotada como prática complementar ao comércio ambulante. No entanto, constituía atributo das escravas, empurradas muitas vezes a esse caminho pelos seus proprietários. Um dos casos que se conhece aparece na denúncia feita pelo visitador episcopal contra Catarina de Sousa, preta alforriada, acusada de obrigar com castigo a suas escravas (...) que lhe dêem jornal todos os dias de serviço e domingos e dias santos dobrado jornal (...) Se a prática do uso do sistema de jornais (o escravo dispunha de relativa autonomia para angariar rendimentos a serem pagos ao seu senhor) regulando as relações entre senhores e escravas pode sugerir uma situação mais amena, em se tratando das mulheres escravas elas suportariam uma dupla exploração: sexual e econômica. A escravidão revelaria então uma de suas faces mais perversas. (Extraído e adaptado do livro História das Mulheres no Brasil, Editora Contexto, São Paulo, 2000. - fonte http://www.eja.org.br/)

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