"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

30 de julho de 2009

NHÁ CHICA, A SERVA DE DEUS

Serva de Deus Francisca de Paula de Jesus (Nhá Chica)

(1808 - 14/06/1895)

Alta, morena e bonita, Francisca de Paula de Jesus, ou Nhá Chica, como era chamada por todos, nasceu em 1808, na "Porteira dos Vilellas", fazenda de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, povoado a seis léguas de São Del Rei, Minas Gerais. Foi batizada em 1810, conforme livro de assentos da paroquia.
Francisca teve apenas um irmão, Theotônio Pereira do Amaral, que nasceu provavelmente 4 anos antes, em 1804.

A família mudou-se para Baependi e instalou-se numa casinha na Rua das Cavalhadas, hoje Rua da Conceição. Nesta casa iria viver a maior parte de sua vida a Serva de Deus.

Pouco tempo depois morreu dona Izabel, e Nhá Chica ficou orfã, com apenas dez anos. Seu irmão Theotônio, porém, galgou as alturas do poder político, judicial e militar da vila de Baependi, chegando a ser Vereador, Juiz de Vintena e Tenente da Guarda Imperial. Era negociante. Tinha também marcada presença na religiosidade Baependiana sendo membro da mesa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, entre outros. Era casado com Leonora Maria de Jesus e não deixou descendência, fazendo de sua irmã a sua herdeira universal.

Embora pudesse acompanhar seu irmão ou casar-se, preferiu morar em sua casinha e dedicar-se a Deus e às pessoas mais necessitadas. Morrendo, sua mãe lhe recomendara a vida solitária, para melhor praticar a caridade e conservar a fé Cristã. Seguindo esse conselho ela não deixou a casa onde vivia, recusando o convite do irmão que a chamava para sua companhia. Cresceu isolada do mundo, dedicando-se à caridade e à fé.

Rapazes do seu tempo pediram-na em casamento, mas recusou a todos. Tornou-se até muito amiga do que mais insistira, grata pela suas boas intenções.

Sua única companhia era o escravo liberto, Félix, que cuidava dos trabalhos e dos afazeres da capela. Era ali que ela recebia todos aqueles que acorriam ao seus conselhos e as suas orações. Nhá Chica fazia suas preces à Sua Sinhá, como ela chamava Nossa Senhora, representada numa pequenina imagem da Senhora da Conceição, de terra cota, até hoje conservada em sua casa. Sua casa é a imagem de sua vida pobre e dedicada aos pobres.

Pouco a pouco sua fama foi aumentando, porque dava sempre ótimos conselhos. Para todos ela tinha palavras de consolação e de conforto, a promessa de uma oração, a predição do resultado de uma empresa ou um socorro material." Nela cumpre-se a palavra do Evangelho: "Eu te louvo, ó Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos".

Ainda moça Nhá Chica já era a “mãe dos pobres”: tinha o piedoso costume de convidar os pobres e demais moradores daquela redondeza em determinado dia da semana para com ela elevarem preces à Virgem Mãe de Deus... Após as orações, ela distribuía alimentos aos pobres, pois todos já levavam para isso suas vasilhas. Recebia esmolas e dava esmolas... Ninguém batia a sua porta sem receber em troca alguma ajuda em pedidos e pedidos e orações.

Serviço e oração eram as características da vida de Francisca de Paula de Jesus. O pároco de Baependi assim a definiu certa vez: "Nhá Chica é simplesmente uma pobre mulher analfabeta, uma fiel serva de Deus cheia de fé". Mas ela respondia dizendo: "Eu repito o que me diz Nossa Senhora e nada mais: eu rezo a Nossa Senhora, que me ouve e me responde".

“Nunca senti necessidade de aprender a ler”, dizia ela. “Só desejei ouvir ler as escrituras santas; alguém fez-me esse favor, fiquei satisfeita”.

Ainda uma outra grande devoção povoava o coração de Nhá Chica. Guardava especial devoção às três horas de agonia, e nas sextas-feiras recolhia-se em oração.
Toda sua vida Nhá Chica procurou realizar o que ela dizia ser um pedido de Nossa Senhora: a construção de uma Capela. Era um empreendimento caro demais para uma mulher pobre daquele tempo, ainda mais sendo filha de escrava. Ela saia, então, pela vizinhança, pedindo auxílio para a construção. Aos poucos a notícia correu e logo começou a receber de todas as partes esmolas para este fim. Ela pode também usar a herança que recebeu de seu irmão, e sua obra chegou a bom termo.

A construção foi iniciada em 1865. Quando já tinha uma certa quantia, Nhá Chica recebeu a ordem de Nossa Senhora para dar início aos trabalhos. Chamou um oficial de pedreira, que deu início a capela que media 34m e 35cm de comprimento por 8m e 20cm de largura. A ornamentação foi quase toda doada: imagens, alfaias, vasos, lâmpadas e até um órgão.

A biógrafa da Serva de Deus, Helena Ferreira Pena, conta que
"...estando já o serviço a certa altura, o oficial notou que ia faltar material e disse-lhe:
- Nhá Chica, os adobos não vão chegar!
Ela respondeu: 'Nossa Senhora é quem sabe'.
Continuou o serviço, e ao terminar, não faltou e não sobrou um só tijolo.
Estava quase terminada a capela e o oficial advertiu Nhá Chica:
- Precisa algumas pinturas no forro, não ficaria bem assim liso sem alguma decoração.
Ela como sempre respondeu: 'Nossa Senhora é quem sabe'...
E foi entregar-se as suas meditações.
À tarde, quando o oficial ia deixar o serviço, Nhá Chica disse-lhe:
- Alisa bem a areia que está no quartinho, tranca a porta e leva a chave.
O oficial pensou consigo: 'Essa velha tem cada coisa! Se os ratos vão passear na areia eu terei que fazer estes rabiscos no forro!'
No dia seguinte, ao chegar novamente ao serviço, Nhá Chica ordena: 'Toma um lápis e um pedaço de papel e vamos abrir a sacristia'.
Mandando que copiasse o que estava na areia, eis que copiando aqueles traços reproduziu uma 'custódia sobre as nuvens', cuja pintura foi feita a óleo no teto da capela mor da Igreja'.

Mais um fato extraordinário é narrado pela mesma biógrafa:

"Estava terminada a capela, mas Nossa Senhora queria mais alguma coisa.


Manifestou a sua serva o seu desejo:
- Queria um órgão para a Igreja.
Nhá Chica, porém, na sua ingenuidade, não sabia o que era aquilo.
Foi consultar, então, o vigário local, Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira o que era órgão, que N. Sra. queria para a capela.
Mons. Marcos lhe disse:
- Orgão é um instrumento até muito bonito que toca nas Igrejas mas, para isso, precisa muito dinheiro!...
- Mas N. Sra. queria.
Na Rua São José, casa 73, no Rio de Janeiro, chegou um, assim disse ela.
Mau Nhá Chica tinha manifestado o desejo de N. Sra., começou a chegar espontaneamente a suas mãos, esmola para a compra do desejado instrumento. Foi, então, encarregado da compra o Sr. Francisco Raposo, competente maestro. Foi ao Rio de Janeiro para efetuar a compra e fazer o despacho até Barra do Piraí, pois, de lá aqui, teria que vir em carro de bois, por não haver ainda estrada de ferro.
Chegara enfim o órgão e Nhá Chica marca sua inauguração para as três horas da tarde e, para isso, fez ecoar nos ares o som do sino da capela, convidando o povo para entoar louvores à Maria!
Chegam os devotos e logo a capela se enche. O maestro sobe ao coro e desliza suas mãos sobre o teclado, e qual sua surpresa?
Nem uma nota!...
- O que teria acontecido? Com certeza estragou-se com a viagem, com a longa caminhada em carro de bois, diziam uns.
- Qual! Com certeza venderam coisa velha e estragada, diziam outros.
Nhá Chica chorava... cheia de angústia e aflição!... Teria sido enganada?
Acalma-se, porém, e diz:
- Esperem um pouco. Tira dos pés as chinelinhas de couro e vai prostrar-se aos pés da Virgem.
O povo esperava ansioso... Ela volta calma e serena e diz:
- Podeis voltar para suas casas, porque o órgão não tocará hoje, mas amanhã, às três horas. Sexta feira, dia da devoção de Nhá Chica.
- Nossa Senhora quer que entoem a ladainha.
Assim se fez. No dia seguinte, novamente, o sininho soava nos ares chamando os fiéis que desta vez foram em número maior, movidos pela curiosidade.
E, às três horas em ponto de sexta-feira, o maestro, novamente, deslizando suas mãos sobre o teclado, fez ecoar, pela primeira vez por toda a Igreja, ao som do órgão a linda melodia da ladainha à Nossa Senhora!... As lágrimas desciam dos olhos de Nhá Chica, mas desta vez, foram lágrimas de alegria e de felicidade!...".
Hoje, total e recentemente restaurado, o órgão encontra-se no coro da Igreja da Conceição, emitindo seus sons e acompanhando o louvor de Deus e de sua Mãe Santíssima.

Nhá Chica viveu sempre na sua casinha perto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição em oração, humildade, mortificação, além de sofrimentos físicos, atendendo sempre quem a procurava. Podemos intuir que serena e feliz partiu desta terra, onde viveu em pobreza e humildade atraíndo as pessoas pelos dons que recebera de Deus.
Aos 08 de julho de 1888, estando doente e de cama Nhá Chica fez o seu testamento e aos 14 de Junho de 1895 faleceu com mais de 80 anos e foi sepultada somente no dia 18. Seu semblante não apresentava sinais de morta, o que deixou o médico local em dúvida. Assim o Dr. Manoel Joaquim Pereira de Magalhães não deixou efetuar o seu sepultamento no dia seguinte, como erra o costume. Mandou ficar em observação por mais algumas horas. E aconteceu que um chamado urgente de um município vizinho afastou o médico da cidade, ficando então o corpo da Serva de Deus, insepulto por mais de três dias, sem se decompor, esperando pelo médico.

Grande foi o número de pessoas que acorreram. De toda parte vinham para visitar o corpo daquela que, em vida, distribuía graças e benefícios a quantos a procuravam. Era uma procissão do lugar do engenho até a capela de Nossa Senhora da Conceição, num vai-vem constante, isto durante os quatro dias em que seu corpo esteve exposto.

Todos puderam atestar que não manifestou traços de decomposição, apesar de já estar morta a quatro dias.

Segundo seu desejo, expresso em seu testamento, foi enterrada na capela que construíra: "Declaro que meu enterro será feito dentro da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, com funeral e música".

Sua memória não se extinguiu com a missa de sétimo dia, ao contrário, seus restos mortais, no interior da Igreja da Conceição, vêm sendo visitados e venerados por centenas de fiéis de todo o Brasil e outros países. Aí esteve sepultada por 103 anos (1895-1998) e é nela que se encontra hoje a urna com seus restos mortais, desde a exumação acontecia em junho de 1998, ato pertencente ao processo de Beatificação e Canonização. Esta mesma capela passou ao longo do tempo por várias reformas até chegar ao estado em que se encontra hoje.

.

Fonte:Net

Nenhum comentário: