"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"
Florbela Espanca

11 de junho de 2011

DOIDAS E SANTAS (MARTHA MEDEIROS)


'Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa'.
São versos de Adélia Prado, retirados do poema 'A Serenata'.
Narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo
ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está
envelhecendo e está tomada pela indecisão - não sabe como
receber um novo amor não dispondo mais de juventude.
E encerra: 'De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?'.
Adélia é uma poeta danada de boa. E perspicaz.
Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma
estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado
uma longa estrada onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo
ainda mais estrada pela frente?
Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões
- e a gente sabe como as desilusões devastam - terá que ser meio doida.
Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração,
então a santidade é a opção.
Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?
Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja
uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar
de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???
Nem ela, caríssimos, nem ela.
Existe mulher cansada, que é outra coisa.
Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou.
Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cáque deixou de ter vaidade.
Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a
se contentar com dias medíocres.
Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.
Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas cá entre nós, não é uma doideira
o modo como ela engravidou? (não se escandalize, não me mande e-mails,
estou brin-can-do).
Toda mulher é doida. Impossível não ser.
A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que,
sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder
de sedução para encontrar 'the big one',aquele que será inteligente, másculo,
se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais.
Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo?
Mas além disso temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir
de vez em quando que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca,
mas nunca, pensaremos em jogar tudo pro alto e embarcar num navio-pirata
comandado pelo Johnny Depp, ou então virar uma cafetina, sei lá, diga aí uma
fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca.
Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem
ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica,
maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante.
Pois então. Também é louca. E fascina a todos.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa
a idade que tenham.
Nossa insanidade tem nome:
chama-se Vontade de Viver até a Última Gota.
Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira
para ver quem está chamando lá fora.
E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze,
que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada?
Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.
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Martha Medeiros

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